Como discordar: A Hierarquia de Discordância de Paul Graham

Victor Montalvão Moreno
7 min readJun 29, 2017

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A web está transformando a escrita em conversa. Vinte anos atrás, os escritores escreviam e os leitores liam. A web permite que os leitores respondam, e eles respondem cada vez mais — em espaços para comentários, em fóruns e em postagens em seus próprios blogs.

Muitos que respondem a alguma coisa discordam dela. E isso é de se esperar. Concordar tende a motivar menos as pessoas do que discordar. E quando você concorda há menos a dizer. Você pode acrescentar algo ao que o autor disse, mas ele provavelmente já explorou as implicações mais interessantes. Quando você discorda você entra em um território que pode não ter sido explorado.

O resultado é que há muito mais discordância rolando, especialmente porque as pessoas já iniciam o discurso com o ‘discordo’. Isto não significa, entretanto, que as pessoas estejam cada vez mais raivosas. A mudança estrutural na forma como nos comunicamos é o suficiente para explicar. Mas embora não seja a irritação que esteja guiando o aumento das discordâncias, existe o perigo de que o aumento das discordâncias deixe as pessoas mais irritadas. Especialmente on-line, onde é fácil dizer coisas que você nunca diria cara a cara.

Se todos nós vamos discordar mais, devemos ser cuidadosos para fazer isso direito. O que significa discordar direito? A maioria dos leitores pode dizer a diferença entre insultos e uma refutação cuidadosamente raciocinada, mas eu creio que ajudaria nomear os estágios intermediários. Então aqui vai uma tentativa de fazer uma hierarquia da discordância:

HD0: Xingamentos

Esta é a forma mais baixa de discordar, e provavelmente a mais comum. Todos já vimos comentários como esse:

vc eh uma bicha!!!!!!!!!!

Mas é importante perceber que formas mais articuladas de insulto têm tão pouco peso quanto a anterior. Um comentário como

O autor é um diletante cheio de si.

na verdade não é nada mais que uma versão pretensiosa de “vc eh uma bicha”.

HD1: Ad Hominem

Um ataque ad hominem não é tão fraco quanto um insulto. Ele pode realmente ter algum peso. Por exemplo, se um senador escreveu um artigo dizendo que os salários dos senadores deveriam ser aumentados, alguém poderia responder:

Claro que ele vai dizer isso. Ele é um senador.

Isso não refutaria o argumento do autor, mas pode ao menos ser importante para o caso. Ainda é uma forma muito fraca de discordar, entretanto. Se há algo errado com o argumento do senador, você deveria dizer qual é; e se não há, que diferença faz que ele seja um senador?

Dizer que falta ao autor a autoridade para escrever sobre um tópico é uma variante do ad hominem — e um tipo particularmente inútil, pois boas ideias frequentemente vêm de quem não é da área. A questão é se o autor está correto ou não. Se sua falta de autoridade o fez cometer erros, aponte-os. Se não, isso não é um problema.

HD2: Responder ao tom

Neste nível para cima começamos a ver respostas ao que foi escrito, em vez de ao escritor. Destas, a forma mais baixa é discordar com o tom do autor. E.g.

Eu não posso acreditar que o autor recusa o design inteligente de uma forma tão desdenhosa.

Embora seja melhor que atacar o autor, essa ainda é uma forma fraca de discordar. Importa muito mais se o autor está certo ou errado do que qual é seu tom. Especialmente porque o tom é muito difícil de julgar. Alguém que é muito combativo quanto a certo tópico pode se ofender por um tom que a outros leitores pareceu neutro.

Então se o pior que você pode dizer sobre algo é criticar o tom, você não está dizendo muito. O autor é irreverente, mas está correto? Melhor do que solene e errado. E se o autor está errado em alguma coisa, diga qual.

HD3: Contradição

Nesse estágio finalmente chegamos às respostas ao que foi dito, em vez de a quem ou como. A forma mais baixa de resposta a um argumento é simplesmente afirmar o caso oposto, com pouca ou nenhuma evidencia como suporte.

É frequentemente combinada com declarações do tipo HD2, como em:

Eu não posso acreditar que o autor recusa o design inteligente de uma forma tão desdenhosa. O design inteligente é uma teoria científica legítima.

A contradição algumas vezes pode ter peso. Algumas vezes simplesmente ver o caso oposto ser colocado explicitamente é o suficiente para ver que ele está certo. Mas geralmente evidências vão ajudar.

HD4: Contra-argumento

No nível 4 alcançamos a primeira forma convincente de discordar: o contra-argumento. As anteriores geralmente podem ser ignoradas por não provarem nada. Um contra-argumento pode provar algo. O problema é que é difícil dizer exatamente o quê.

O contra-argumento é uma contradição acompanhada de um raciocínio e/ou evidência. Quando direcionado diretamente ao argumento original, pode ser convincente. Mas infelizmente é comum que contra-argumentos sejam direcionados a algo ligeiramente diferente. É mais comum que duas pessoas discutindo apaixonadamente sobre algo estejam na verdade discutindo sobre duas coisas diferentes. Algumas vezes elas até concordam uma com a outra, mas estão tão arrebatadas pela contenda que não percebem isso.

Pode haver uma razão legítima para argumentar com algo ligeiramente diferente do que o autor original disse: quando você sente que ele não abordou o ponto central do assunto. Mas quando você fizer isso, você deve dizer explicitamente o que está fazendo.

HD5: Refutação

A forma mais convincente de discordar é a refutação. É também a mais rara, pois é a mais trabalhosa. Na verdade, a hierarquia de discordância forma algo como uma pirâmide no sentido de que quanto mais alto você for, menos vezes você verá essa forma ser usada.

Para refutar alguém você provavelmente terá que citá-lo. Você tem que achar uma “evidência incriminatória”, uma passagem com a qual você discorda e que sente que está errada, e então explicar porque ela está errada. Se você não pode encontrar uma citação verdadeira para discordar, você pode estar discutindo com um espantalho.

Embora a refutação geralmente implica em citar, citar não necessariamente implica em refutação. Alguns escritores citam partes de coisas com as quais discordam para dar uma aparência de refutação legítima, e então prosseguem com uma resposta tão baixa quanto HD3 ou até mesmo HD0.

HD6: Refutando o ponto central

A força da refutação depende do que você refuta. A forma mais poderosa de discordar é refutar o ponto central de alguém.

Mesmo quando formas tão altas como HD5 são usadas nós ainda vemos desonestidade deliberada, quando alguém escolhe pontos menores de um argumento e os refutam. Algumas vezes o espírito com que isso é feito o transforma mais em uma forma sofisticada de ad hominem do que uma refutação verdadeira. Por exemplo, corrigir a gramática de alguém ou insistir em pequenos erros em nomes ou números. A menos que o argumento oposto dependa de verdade dessas coisas, o único propósito de corrigi-los é desacreditar o oponente.

Refutar algo de verdade requer que alguém refute seu ponto central, ou pelo menos um deles. E isso significa que é necessário se explicitar qual é o ponto central. Assim, uma refutação verdadeiramente efetiva se pareceria com algo do tipo:

O ponto principal do autor parece ser x. Como ele diz:

<citação>

Mas isso está errado pelas seguintes razões…

A citação que você aponta como errada não precisa ser a declaração verdadeira do ponto principal do autor. É suficiente refutar algo em que ela se baseia.

Qual é o objetivo

Agora temos uma maneira de classificar as formas de discordar. Pra que ela é boa? Uma coisa que a hierarquia das discordâncias não nos dá é uma maneira de escolher um vencedor. Os níveis da HD meramente descrevem a forma de uma declaração, não se ela está correta. Uma resposta do tipo HD6 ainda pode estar completamente errada.

Mas mesmo que os níveis da HD não determinem um limite inferior para o poder de convencimento de uma resposta, eles determinam um limite superior. Um resposta de nível HD6 pode não ser convincente, mas uma resposta de nível HD2 ou mais baixo nunca é convincente.

A vantagem mais óbvia de classificar as formas de discordar é que isso ajudará as pessoas a avaliar o que elas leem. Particularmente, as ajudará a perceber argumentos intelectualmente desonestos. Um orador ou escritor eloquente pode dar impressão de derrotar um oponente apenas utilizando palavras vigorosas. De fato essa é provavelmente a qualidade que define um demagogo. Ao dar nomes às diferentes formas de discordar, damos aos leitores críticos um alfinete para estourar tais balões.

Estes rótulos podem ajudar os escritores também. A maior parte das desonestidades intelectuais não é intencional. Alguém argumentando contra o tom de algo com que discorda pode realmente acreditar que está dizendo algo. Se afastar e ver sua posição na hierarquia da discordância pode inspirá-lo a tentar subir até o contra-argumento ou refutação.

Mas o maior benefício de discordar direito não é apenas o de melhorar as discussões, mas o de permitir que as pessoas discutam mais felizes. Se você estudar discussões, descobrirá que há muito mais sordidez no nível HD1 do que no HD6. Você não tem que ser sórdido quando tem um argumento válido a dizer. De fato, você não quer. Se você tem algo verdadeiro a dizer, ser sórdido apenas atrapalha.

Se subir na hierarquia da discordância faz das pessoas menos sórdidas, isso fará a maior parte dela mais felizes. A maioria das pessoas não gosta realmente de ser sórdida; elas são porque não conseguem evitar.

Fonte original (em inglês): http://www.paulgraham.com/disagree.html

Revisão da tradução: Ítalo Carvalho

Revisão ortográfica e gramatical: Rafael D’Ávila e Jéssica Magalhães

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